terça-feira, 15 de março de 2011

Transtorno Obsessivo Compulsivo


Meio tonto de vez em quando eu olhava pros lados sem saber muito bem pra quê ou pra quem eu estava realmente olhando. Éh! É isso mesmo. Estava só olhando rapidamente pra um lado e depois pro outro como se a todo o momento eu estivesse prestes a atravessar uma rua.
            Na calçada que passava naquela hora topei com dois homens estranhos, até bem mais que eu, um aparentava ser um cientista algo como um químico ou um físico sei lá, já o outro estava sem sombras de dúvidas muito chapado, como se tivesse misturado uísque com maconha ou coisa parecida. Eles falavam muito e muito alto um com o outro e isso me tomou de curiosidade pra saber o que eles discutiam, sem hesitar dei meia volta e segui-os rua abaixo. A essa altura já não tava tão tonto quanto antes, mas não conseguia parar de olhar para os lados insistentemente quase como um louco sem conseguir ter controle, como se eu fosse um relógio insistindo naquele tic-tac, pelos menos pra minha consciência, sem motivo algum.
            Dobraram por uma ruela estreita, aparentemente sem saída, pararam em frente a um prédio bem antigo, “entre, senhor!”, “ah! vai tomar no cú! eu entro se eu quiser caralho!” Sentaram nuns banquinhos de madeira e começaram a jogar damas, mas quando cheguei mais perto foi que percebi que eles, na verdade, jogavam xadrez. O bêbado pediu desculpas ao nerd que usava uns óculos tão estranho quanto o dono. Agora eles falavam baixo um com o outro, o ambiente em que se encontravam não permitia qualquer ruído que atrapalhasse a concentração dos outros que estavam ali pra trabalhar, alguns com o notebook aberto sobre as mesas de xadrez, outros reunidos em grupos de três ou quatro discutindo coisas que pareciam um plano secreto pra destruir o mundo ou a casa do vizinho talvez. Mas mesmo falando baixinho dava perfeitamente pra ouvir o que eles diziam: “A saúde pública desse pais é mesmo um descaso, cara!” exclamou o bêbado com a voz embargada, nesse momento entrou no prédio um homem puxando uma caixa cheia de livros, o que me impediu de ouvir parte da conversa, quando o barulho cessou, me levantei, olhei pra um lado, depois pro outro e fui, olhando sempre pros lados, fui e me sentei num banquinho bem mais próximo deles, fiquei a menos de um metro das costas do nerd, e agora sim mesmo que o teto desabasse sob nossas cabeças, enquanto eles estivessem conversando, eu ouviria até o roncar da barriga deles. “logo ela, cara, pô! por que não levaram outro qualquer, tivesse me lavado, pronto tivesse ido eu seja pro céu ou pro inferno, mas tivesse ido eu!” “Mas ela num ia só fazer uns exames clínicos, inerentes ainda ao período pré-cirúrgico?” “Era, mas o médico disse que não ganhava pra atender urgência e ele era o único que tava disponível no hospital inteiro daí ela deu um troço lá, sentiu umas dores e disse que tinha um gato querendo sair pelo umbigo dela, a enfermeira chamou o médico e ele disse que num ganhava pra atender urgência e tinha que tá na clínica particular do irmão dele em uma hora e foi embora. Aquele filho da puta vai pagar pelo que fez, pô! ela podia ter morrido do mesmo jeito, mas ele tivesse pelo menos tentado fazer alguma coisa, num custava nada, ele era médico da área. Já a enfermeira não, aquela menina que parecia ser só uma estagiária, aluna da faculdade de enfermagem ou coisa assim, num importa, ela sim, fez de tudo: conseguiu o número de uma otorrinolaringologista que era o único médico pertencente ao quadro do hospital que morava na cidade, mas coitada da Doutora, chorou e tudo, mas apesar do esforço, não tinha muito o que fazer, porra! ela era otorrino, minha filha tava com uns problemas na vesícula, num tinha nada a ver com a área dela.”
            Só naquela hora, depois de enes e enes cogitações, descobri que se tratava da filha dele, imaginei que fosse a esposa ou a mãe, pois ele aparentava ser muito novo pra ter uma filha que sofresse com problemas na vesícula (idiotice minha achar que só velho tivesse problemas na vesícula, depois descobri o que a princípio deveria ser muito óbvio, mas o idiota aqui, nunca tinha parado pra pensar, que pra ter problemas na vesícula só era necessário ter uma vesícula).
            Tive raiva da minha curiosidade que me levou até aquele prédio cheio de idiotas pra ouvir um bêbado dizer a um nerd, ao mesmo tempo em que jogavam xadrez, que a saúde pública do país era um descaso pelo fato da sua filha ter sofrido negligencia médica e consequentemente, ou não, ter morrido no leito de um hospital qualquer, apesar de nesses tipos de casos eu achar que mais do que negligência médica, houve negligencia do sistema que pagou mal àquele médico, o que segundo ele (o bêbado) foi o que o (médico) levou a não atender a menina, ou moça, ou mulher, já não faço a mínima idéia de quantos anos aquele homem bêbado tinha, muito menos a idade de sua filha que eu nunca vi e nem verei pelo simples fato de ela agora estar morta e enterrada, mesmo que eu fique a eternidade com esse TOC de olhar pra um lado e depois pro outro feito um louco.

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