sábado, 14 de julho de 2012

A menina que não tinha pulsos


Guarda os pulsos pro final
Saída de emergência
(Pitty)

A menina sempre se achou estranha
Era estranha: a white freak (só descobri isso depois)
Era bela, cabelos pretos e tudo!
Olhos sempre maquiados, só os olhos muito maquiados
Mas mesmo assim era estranha
Sempre andava com um blusão preto parecendo uma camisa de força que unia os seus dois braços.

Só descobri depois...
Ela era a famosa menina que não tinha pulsos
Seus braços só existiam até o cotovelo
Suas mãos saiam dos cotovelos
Sem pulsos
Realmente uma aberração, um erro da natureza
Era bela a menina que não tinha pulsos

Mas um dia ela encontrou o amor
Um amor de 16 anos
E percebeu nesse dia que seu antebraço começou a brotar
A cada dia suas mãos se distanciavam mais e mais de seus cotovelos
Até que deixou de ser a estranha
Deixou de ser a menina que não tinha pulsos
Era a menina que tinha encontrado o amor e com ele os pulsos

Um dia o amor foi muito mal para a menina que tinha encontrado o amor
E ela passou a ser a menina que chorava e tinha pulsos

Ontem (última vez que vi a menina que chorava e tinha pulsos), encontrei-a deitada na neve sem blusão (já não usava mais o blusão)
Ela não vestia nada
O cenário só não era preto e branco por conta das gotas de sangue que saiam dos seus pulsos
E apesar de estar quase morta, foi aí que ela compreendeu porque junto com o amor tinham surgido os pulsos

domingo, 29 de abril de 2012

Nesse exato momento


Natal, 13 de Março de 2012
12h57min
37°C


            E da fossa que eles submergiram, restara apenas o emblemático odor feito de lembranças e esparmos adormecidos, que ficara acompanhando os seus parcos passos desde aquele dia até o infinito da eternidade de seus recém-completados vinte e dois anos.
            Ela era como uma Lua que carregava o inexorável karma de sempre se apaixonar pelos Sóis que o Eclipses sempre faziam cruzar por ela; fora assim desde o início da puberdade até o infinito da eternidade de seus recém-completados vinte e dois anos.
            Ele sofria por carregar consigo a dor do nada; de fato, não era nenhum donzelão abobalhado, jamas se apaixonara por ninguém, nunca tivera uma namorada, nunca tivera um emprego; apesar de ter uma família, uma casa para morar, uma cama para dormir, uma mesa para tomar café da manhã, almoçar e jantar, apesar de tudo isso, ele nunca tivera um lugar que o permitisse chegar e dizer as palavrinhas magicamente regozijantes: “home sweet home”; fora assim desde o início da puberdade até o infinito da eternidade de seus recém-completados vinte e dois anos.
            Ela, sim, sempre fora uma donzelona abobalhada (claro que no bom sentido dessa tosca locução adjetiva), sempre se contentara com as migalhas e esmolas que a vida lhe oferecera, sempre se contentara com o absorvente mais barato mesmo que ele sempre a fizesse passar vergonha, jamais se importara com o fato de ninguém nunca haver a chamado de gostosa ou assoviado para ela (e olha que ela vivia passando em frente de construções, e de quadras de futebol de salão amador). Entretanto, mesmo com tudo isso, ela possuía em seu âmago um masoquista dispositivo que a preenchia com uma sensação idiota de alegria eterna.
            Ele passara a vida lendo livros de literatura (sobretudo erótica, homoerótica e brasileira), de filosofia (sobretudo Benjamim, Adorno, Kant, Foucault e Marx) e de Psicanálise (sobretudo Freud, Lacan e aqueles livrinhos-resenhas daquela coleção da Imago). Normalmente, ele costumava ler cinco livros ao mesmo tempo e dez livros por mês.
            Ela lia livros de horóscopo (sobretudo João Bidu), de receitas (sobretudo Ana Maria Braga e Edu Guedes) e de Autoajuda (sobretudo Augusto Curi, Pe. Marcelo Rossi e Pe. Fábio de Melo) . Normalmente, ela não costuma ler, levava dois meses para ler cem páginas.
            Ela está descendo do circular e pisando em solo universitário pela primeira vez.
            Ele está descendo do circular e pisando em solo universitário pela enésima vez.
            Ela roda igual a uma pomba-lesa procurando o celular que sem perceber acabara de deixar cair.
            Ele escorrega ao pisar em um celular guitarrinha rosa, depois de apanhar o celular ele percebe uma garota de costas para ele destroçando uma bolsa e deduz o óbvio.
            Ela, ao encará-lo, acha que está olhando para um Deus de tão lindo, mas mesmo assim como sempre se apaixona perdidamente e chora por dentro com a certeza de que ele será apenas mais um Sol que passará de carona neste Eclipse que está acontecendo agora nesse exato momento.
            Ele, ao encará-la, percebe que está olhando para uma garota no mínimo estranha, mas como que sem explicação sente um arrepio assim que seu coração dispara e parece querer sair pela boca e pede ao Deus (que ele não acredita) que gostaria muito que ela não fosse apenas mais um reflexo de nada que está a encandear os seus agora nesse exato momento.

Uma pena
Pesou sobre o meu ombro com o peso de uma voz
Vindo do meu peito
A escória de sub-adjetivos mal falados
Saía da minha boca aos berros
Tão ensurdecedor quanto sussurro de homem surdo
Mudo
A minha voz para que todo mundo ouça
Feito Satã dentro de corpo exorcizado
Grito
Como a puta donzela ao fingir ser arrombada
...
Queria poder ouvir os gritos
Depois do meu suicídio

sexta-feira, 30 de março de 2012

A coisa


Cuidado com a coisa
coisando por aí.
A coisa coisa sempre
e também coisa por aqui.
(Renato Russo)

            Aquela coisa ainda está aqui. Ela pulsa feito o tudo, ela irrita feito o nada (feito o tudo que, exatamente por ser tudo, se porta feito fosse nada). E o pior é que dói. O foda é que é uma dor que não incomoda muito; e exatamente por não incomodar muito eu deixo pra lá, não ligo, não me importo, não procuro um médico, ou uma benzedeira, ou coisa que o valha. Fico aqui... e lá... e sempre com a mesma dor que incomoda apenas pelo fato de não incomodar. Se pelo menos me fizesse sofrer, gritar, chorar, mas não, essa porcaria de dor não serve pra nada. Fico imaginando o quão bom seria sentir esta dor se ela fosse dor lasciva, dor que faz o olho chorar de algo muito parecido com alegria, dor de gozo... 

Porra! A música que estou ouvindo agora cortou o meu raciocínio e por um momento (isso acontece sempre) a dor pareceu nem existir. Fico me perguntando agora pelos violinos. Cadê os violinos? Como é que uma banda com o nome “Violins” não tem um violino tocando? 

E acho que é isso, a dor só existe quando estou falando, pensando, vivendo (n)ela. A dor é uma coisa.