sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Onírico ou O Útero e a Tempestade


A tempestade não passava, era estranho, um medo me causava uma eterna e horrível sensação de frio na espinha, como se meu útero fosse sair pela boca a qualquer momento, como agora, meu útero é amarelo com um líquido azul claro escorrendo de um orifício qualquer, se esvaindo pelos meus dedos, que, aliás, não parecem nada com os dedos que carregava pregado as minhas mãos ontem, sequer pareciam dedos femininos, não, não eram dedos femininos, talvez porque não era eu que estava segurando aquele pedaço podre de mim, o que restou do resto de minhas vísceras em chamas.
            A tempestade aumentou, minha casa a pouco fora consumida pelo fogo, mesmo debaixo daquela tempestade, eu via minha esposa ser consumida por um fogo branco marfim, ela ia sendo lançada sobre os ares e aquele manto de fogo branco a fazia parecer um anjo com asas e tudo e eu tentava pendurar-me nos filetes de chamas que luziam ao redor dela, mas sempre que conseguia segurar firme num deles, mesmo com minhas mãos em chamas, o que me impedia de ir era a tempestade que só apagava o fogo de minhas mãos, o fogo branco marfim dela incandecentemente intacto e os langos de faíscas dos meus dedos a se apagarem com o primeiro pingo.
            O motorista freia bruscamente o ônibus, eu sou arremessada sobre a poltrona da frente, acordei sem querer, uma chuva fina molhava a janela a minha direita, formando no embaçado do vidro, veredas, como que a escrita certa e indecifrável de Deus, sendo lapidada por aquelas infinitas linhas tortas, e eu agora era uma miniatura de qualquer coisa me embrenhando por aqueles caminhos, parecia que eu patinava no gelo sob uma intensa torrente e quando eu chequei na base do vidro, senti um odor insuportável de vômito, acho que caí num canyon, por onde, ao invés de um rio de velozes águas, permaneciam poços de restos de comida liquidificados pelo organismo de um qualquer, talvez pelo meu.
            O cobrador bate no meu braço, é a parada final senhora, obrigada, é o cansaço. Eu agora abraço a minha companheira, ela diz que me ama, e sorrir, eu ponho meu prato no microondas, sento no sanitário, agora eu dou descarga e vejo meu útero infértil sendo digerido buraco negro a dentro.

Carta à ninguem.

“Eu consigo, tudo de ruim eu consigo. Eu não tô culpando ninguém. Pelo amor de deus, Cala a boca! Eu só não tô raciocinando direito,” meu coração ta palpitando, minha cabeça repentinamente dói, de vez em quando dar aquela dorzinha nas laterais acima das orelhas, me vem a cabeça uma vontade absurdamente incontrolável de... sei lá... de matar... ou de... morrer, de socar a parede que até não existam mais dedos ou paredes pra socar, gritar até minha garganta se desintegrar em sangue... eu sei que não sou uma pessoa normal, eu nunca fui uma pessoa normal, e talvez o que mais me aflija seja justamente o fato de eu ter consciência disso, louco que é louco não sabe que é louco, mas eu sei que sou louco, sendo assim não sou apenas louco, sou um louco que sabe que é louco, e isso é muito pior, é assustador saber, ou achar que sabe, como sua mente estar funcionando, saber o que estar acontecendo com você, saber que aquela sua maneira de se comportar tem uma relação com algo que aconteceu antes, saber que um psicólogo ou um terapeuta poderia te ajudar, mas ao mesmo tempo não querer ser ajudado, pois é, eu sei qual é, ou quais são os meus problemas, sei onde ou como encontrar a cura, mas eu não quero, eu prefiro continuar esse monstro que eu sou, esse que agora estar digitando esse merda desse texto com tanta força que chega quase a quebrar o teclado, a propósito, por falar nesse texto, se interessa a alguém saber o porque dele, não é por nada em específico, eu só queria um refúgio, falar com alguém que não fosse gente, não que quem esteja lendo não seja gente, mas quando se escreve, você não sabe quem tá lendo, aliás, não sabe sequer se aquilo vai ser lido ou não, não se conhece o seu, como dizem os críticos, “interlocutor”, então era justamente com esse “ninguém” que eu queria conversar, um Zé Ninguém conversando com um “ninguém”, algo que combina bastante, e por falar em “ninguém” lembrei agora daquele famoso auto de Gil Vicente que fala do embate de “Ninguém” com “Todo Mundo”, em que se conclui que “Todo Mundo” só pensa em dinheiro e “Ninguém” pensa em ajudar, foi genial o português nessa obra, mas eu fico imaginando se fosse Freud que tivesse escrito tal peça, seria o mesmo embate de ninguém com todo mundo, mas as metas seriam outras: felicidade e sofrimento, e a conclusão seria que “Todo Mundo” quer felicidade e “Ninguém” quer sofrimento, mesmo sabendo que no mundo em que vivemos ocorre justamente o contrário “Ninguém” tem felicidade e “Todo Mundo” sofrimento. puta que pariu! um grande amigo já havia me dito que ler Freud é maravilhoso, mas que quando a gente tá fudido... é foda você saber que por mais que você tente o “não-sofrer” o sofrimento é inevitável, se você tá bem aquilo que você tá lendo se torna algo distante, algo meramente científico, parte apenas de seu trabalho de sua pesquisa, mas, se você lê o “Mal-estar na Civilização” tando sem dinheiro, ou passando por qualquer outro grande problema, volto a dizer: é foda! olha aí, tá vendo?! funcionou conversar com “ninguém”, já relaxei, dez minutos atrás, quando comecei a escrever esse texto, eu tava, você lembra, querendo dar murro nas paredes, e agora, até a respiração já não tá mais tão ofegante, o sangue tá correndo mais tranquilo nas veias, poderia até dizer que estou... é... estou bem. valeu pela atenção Seu Ninguém, ou Dona Ninguém, se é que algum de vocês existem, espero contar com vocês, quando minhas crises de doido voltarem. Fuuuuuuuuuuuui.

Nota aos Leitores e Amigos

Olá, pessoal, antes de qualquer coisa gostaria de me desculpar pelo tempo em que passei ausente, pois, foram quase três meses sem postar.
E aproveito para assumir, a partir desta postagem, o compromisso com vocês e comigo mesmo de atualizar o Contoversando pelo menos uma vez por semana.
Pelas postagens anteriores percebe-se que o essencia do blog é a minha própria produção literária, entretanto, pretendo de vez em quando divulgar e comentar textos de outros autores, bem como dicas sobre outras manifestações artísticas, principalmente de cinema e  música.
No mais espero que gostem dessa nova fase do Blog...
Um abraço à todos... e aguardem!