domingo, 29 de abril de 2012

Nesse exato momento


Natal, 13 de Março de 2012
12h57min
37°C


            E da fossa que eles submergiram, restara apenas o emblemático odor feito de lembranças e esparmos adormecidos, que ficara acompanhando os seus parcos passos desde aquele dia até o infinito da eternidade de seus recém-completados vinte e dois anos.
            Ela era como uma Lua que carregava o inexorável karma de sempre se apaixonar pelos Sóis que o Eclipses sempre faziam cruzar por ela; fora assim desde o início da puberdade até o infinito da eternidade de seus recém-completados vinte e dois anos.
            Ele sofria por carregar consigo a dor do nada; de fato, não era nenhum donzelão abobalhado, jamas se apaixonara por ninguém, nunca tivera uma namorada, nunca tivera um emprego; apesar de ter uma família, uma casa para morar, uma cama para dormir, uma mesa para tomar café da manhã, almoçar e jantar, apesar de tudo isso, ele nunca tivera um lugar que o permitisse chegar e dizer as palavrinhas magicamente regozijantes: “home sweet home”; fora assim desde o início da puberdade até o infinito da eternidade de seus recém-completados vinte e dois anos.
            Ela, sim, sempre fora uma donzelona abobalhada (claro que no bom sentido dessa tosca locução adjetiva), sempre se contentara com as migalhas e esmolas que a vida lhe oferecera, sempre se contentara com o absorvente mais barato mesmo que ele sempre a fizesse passar vergonha, jamais se importara com o fato de ninguém nunca haver a chamado de gostosa ou assoviado para ela (e olha que ela vivia passando em frente de construções, e de quadras de futebol de salão amador). Entretanto, mesmo com tudo isso, ela possuía em seu âmago um masoquista dispositivo que a preenchia com uma sensação idiota de alegria eterna.
            Ele passara a vida lendo livros de literatura (sobretudo erótica, homoerótica e brasileira), de filosofia (sobretudo Benjamim, Adorno, Kant, Foucault e Marx) e de Psicanálise (sobretudo Freud, Lacan e aqueles livrinhos-resenhas daquela coleção da Imago). Normalmente, ele costumava ler cinco livros ao mesmo tempo e dez livros por mês.
            Ela lia livros de horóscopo (sobretudo João Bidu), de receitas (sobretudo Ana Maria Braga e Edu Guedes) e de Autoajuda (sobretudo Augusto Curi, Pe. Marcelo Rossi e Pe. Fábio de Melo) . Normalmente, ela não costuma ler, levava dois meses para ler cem páginas.
            Ela está descendo do circular e pisando em solo universitário pela primeira vez.
            Ele está descendo do circular e pisando em solo universitário pela enésima vez.
            Ela roda igual a uma pomba-lesa procurando o celular que sem perceber acabara de deixar cair.
            Ele escorrega ao pisar em um celular guitarrinha rosa, depois de apanhar o celular ele percebe uma garota de costas para ele destroçando uma bolsa e deduz o óbvio.
            Ela, ao encará-lo, acha que está olhando para um Deus de tão lindo, mas mesmo assim como sempre se apaixona perdidamente e chora por dentro com a certeza de que ele será apenas mais um Sol que passará de carona neste Eclipse que está acontecendo agora nesse exato momento.
            Ele, ao encará-la, percebe que está olhando para uma garota no mínimo estranha, mas como que sem explicação sente um arrepio assim que seu coração dispara e parece querer sair pela boca e pede ao Deus (que ele não acredita) que gostaria muito que ela não fosse apenas mais um reflexo de nada que está a encandear os seus agora nesse exato momento.

Uma pena
Pesou sobre o meu ombro com o peso de uma voz
Vindo do meu peito
A escória de sub-adjetivos mal falados
Saía da minha boca aos berros
Tão ensurdecedor quanto sussurro de homem surdo
Mudo
A minha voz para que todo mundo ouça
Feito Satã dentro de corpo exorcizado
Grito
Como a puta donzela ao fingir ser arrombada
...
Queria poder ouvir os gritos
Depois do meu suicídio